sábado, 30 de outubro de 2010

O Significado do Trunfo



Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) disputam a eleição presidencial, ambos recorrendo aos seus trunfos.

Serra mobiliza as histórias de corrupção que assolam o PT e, sobretudo, ampara-se em Deus. Dilma, por sua vez, é apadrinhada por Lula.

Qual o maior trunfo? Deus ou Lula?

Quem vencerá a eleição?

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Quem tem medo do FMI FMI FMI...




Cuidado com o FMI!!!

Se não houver acordo entre PS e PSD quanto ao Orçamento de Estado de 2011, ele vem aí... Sem dó nem piedade...

Pelo contrário, se houver acordo, haverá algum dó e piedade, mas com fins meramente eleitoralistas.

Tenho muito medo do que aí vem...

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Boas razões para dar de frosques


Este pequeno rectângulo à beira mar plantado está a afundar há muitos séculos, porém, nos últimos anos temos vindo a perder a esperança na sua salvação: a desgovernação é completa; a diferença entre ricos e pobres continua a aumentar; o desemprego cresce; os sortudos que têm emprego são, maioritariamente, mal pagos, desempenham funções de que não gostam e, em muitos casos, abaixo das qualificações que possuem; o sistema nacional de saúde é trágico [mas pelo menos ainda existe]; a educação é uma anedota [todavia sobram licenciados, mestres e doutores]; a justiça é uma miragem de oásis onde ninguém quer chegar; persiste a eterna crise económico-financeira; os preços, juros e dividas estão a estoirar; etc. etc.. Enfim, o conjunto e cada uma é boa razão para dar de frosques do rectângulo... muito triste é o nosso fado.

Actualmente, o (des)governo ensaia algumas tentativas de salvação nacional [uma espécie de último esbracejar do afogado]. Confrontada com essas tentativas, parte da oposição critica-as quando na realidade as inveja, outra parte, por sua vez, desbaratam-nas na confortável posição de quem tem a certeza de que nunca alcançará o Poder.

Estas tentativas de salvação nacional são apresentadas com a pomposa denominação de pacote de medidas de austeridade e visam reduzir o défice orçamental de 9,3% para 7,3% do PIB em 2010 e em 2011 para 4,6%. Essa hipotética redução será perseguida através da consagração de uma subida generalizada de impostos e da redução da despesa, leia-se, à custa de cada cidadão.

Esta derradeira tentativa de salvação nacional, não só não contraria as razões para emigrar, como também as torna mais evidentes. O pacote de medidas de austeridade vai empurrar ainda com mais veemência os que cá estão para o estrangeiro, acentuando a queda da capacidade atracção de Portugal, quer para estrangeiros como para os próprios cidadãos nacionais.

A evolução do número de residentes que abandonam o país tem demonstrado essa perda de capacidade de atracção. Em 2003, com uma taxa de desemprego de 4%, 9800 residentes procuraram outro destino para viver e trabalhar. Por sua vez, em 2008, com uma taxa de 7,7%, esta foi a escolha de 20.357 cidadãos (nacionais e imigrantes). No fim de 2010, com uma taxa de desemprego de 10,7%, com o aprofundamento da crise e com o já famoso plano de austeridade, a tendência para abandonar país acentua-se.

Um dos dramas desta tendência é que Portugal está a perder população jovem, em idade activa e altamente qualificada, isto é, perde aqueles que têm maiores capacidades para promoverem o desenvolvimento económico, sociocultural e demográfico do país.

Da minha parte, só posso dizer que já tenho a mala pronta para dar de froques...

Para os que têm curiosidade, fica aqui um apanhado das medidas de austeridade menos simpáticas:
1) aumento do IVA (a taxa normal sobe de 20% para 21% (e posteriormente para 23%), a intermédia de 12% para 13% e a reduzida de 5% para 6%);
2) Diversos produtos, nomeadamente, alguns de primeira necessidade, vão sair da taxa reduzida (6%) e intermédia (12%) de IVA e sofrem um agravamento para a taxa normal (23%);
3) Subida de 1,5% no IRS (os salários dos trabalhadores serão sujeitos a mais impostos, nas remunerações superiores a 2.375 euros o imposto sobe em 1,5% e para as inferiores sobe em 1%. Só escapam os trabalhadores com salário mínimo);
4) “Taxa de crise” sobre lucros (os lucros das empresas portuguesas serão tributados em mais 2,5%);
5) Agravamento do imposto de selo sobre créditos ao consumo;
6) Agravamento da taxa liberatória para rendimentos de capitais (sobe de 20% para 21% para rendimentos inferiores a 18 mil euros e para 21,5% para superiores);
7) Corte nas transferências para municípios;
8) Congelamento das admissões e redução do número de contratados na administração pública, incluindo a administração central, local e regional;
9) Congelamento das promoções e progressões na função pública:
10) Congelamento das pensões;
11) Reduzir as despesas no âmbito do Serviço Nacional de Saúde, nomeadamente com medicamentos e meios complementares de diagnóstico;
12) Reduzir em 20% as despesas com o Rendimento Social de Inserção;
13) Eliminar o aumento extraordinário de 25% do abono de famílias nos 1.º e 2.º escalões e eliminar os 4.º e 5.º escalões desta prestação;
14) Reduzir as transferências do Estado para o Ensino e sub-sectores da administração: Autarquias e Regiões Autónomas, Serviços e Fundos Autónomos;
15) Reduzir as despesas no âmbito do Programa de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central (PIDDAC);
16) Reduzir as despesas com indemnizações compensatórias e subsídios às empresas;
17) Revisão geral do sistema de taxas, multas e penalidades no sentido da actualização dos seus valores e do reforço da sua fundamentação jurídico-económica.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Contrastes e Descontinuidades




De um lado, um país unido que usa o planeamento, o engenho e a tecnologia para tirar 33 mineiros do fundo de um buraco.

Do outro, um governo errático e um parlamento de 230 deputados divididos pelos seus interesses pessoais que usa o improviso, a imperícia técnica e que manuseia o interesse nacional para empurrar 10 milhões para o abismo.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Recensão com a crítica possível

(04/03/2010)


CAIM
José Saramago
Caminho, Alfragide, 2009,
181 pp.







Não percamos muito tempo nem adjectivos com a apresentação de José Saramago, a sua trajectória biográfica é suficientemente publicada e pública. Nasceu ribatejano, tornou-se lisboeta sem nunca abandonar a sua proveniência e, 71 anos depois do seu nascimento, a sua inscrição identitária alargou-se a Espanha. Mais tarde, o cruzamento entre a sua pátria e mátria pariu nele uma jangada de pedra e com ela foi navegando pelo mundo...

Com estudos ao nível do secundário (liceal e técnico), abandonou a escola precocemente por motivos económicos e iniciou a escola da vida como serralheiro mecânico. Daí em diante passou por muitas outras profissões (desenhador, funcionário da saúde e da providência social, tradutor, editor e jornalista), até que a partir de 1976 passou a viver da sua criação literária, actividade através da qual obteve o Prémio Nobel da Literatura (1998). A sua obra conta com cerca de 35 livros, repartidos pelo romance, teatro, contos, poesia, crónicas e memórias.

O meu encontro com a criação literária de José Saramago calhou a meio da desregrada adolescência, quando descobri lá por casa, entre algum lixo do Círculo de Leitores, o então polémico O Envagelho Segundo Jesus Cristo. Entusiasmado, seguiram-se outros livros, dos quais destaco A Jangada de Pedra, Ensaio sobre a Cegueira e porque não também Os Poemas Possíveis.

Debrucemo-nos então sobre o livro que me trouxe novamente à companhia de Saramago: Caim. Talvez pela polémica em torno das declarações do escritor e pelos prontos contra-argumentos que suscitou [e que funcionaram como publicidade gratuita], decidi voltar a partilhar as noites de alguns dias com este autor.

Depois de lido, a conclusão é que Caim prometia mais do que aquilo que revelou. O estilo e o ritmo de Saramago está presente e a história está bem arquitectada, porém, parece-me que escasseia algum do fulgor de outros livros e que as personagens estão pouco receptivas a uma interacção com o leitor, afigurando-se psicológica e emotivamente (quase) impenetráveis, fechadas em si e na própria história.

No que se refere à substância do livro, é de referir que as estórias que fazem a história deste livro são conhecidas há muitas gerações, sendo que a grande inovação é a perspectiva com que estas são narradas. Ao longo da narrativa, o personagem principal, Caim, intercala entre vários presentes, os quais correspondem a diferentes episódios/cenários bíblicos: Torre de Babel; Sodoma e Gomorra; Jericó; Monte Sinai; o dia em que Deus parou o Sol; e Arca de Noé, entre outros.

Contudo, ao contrário da narrativa bíblica, neste livro, Saramago torna Caim uma espécie de testemunha das atrocidades de Deus. O leitor assiste através do olhar peregrino de Caim a um conjunto de acções que revelam a má fé (expressão curiosa para falar do Senhor) e a personalidade egocêntrica e vilã desse Deus.

Em Caim Saramago não pretende matar Deus, essa é uma tarefa iniciada por alguns filósofos e deve permanecer nesse âmbito. Aqui, Saramago mais não faz do que malhar como um boxeur muito superior ao seu adversário, um virtuoso que se diverte a humilhar e a massacrar um adversário cheio de limitações técnicas e até falta de jeito para a actividade que insiste em prosseguir.

Aos meus olhos de leitor, parece-me nítido o prazer com que José Saramago procurou os adjectivos mais indicados para insultar Deus. Quando não recorre à simplicidade da adjectivação, esforça-se para traçar acontecimentos que colocam Deus a jeito de revelar a sua própria percepção de Deus e que compelem o leitor chegar aos adjectivos que pretende sem nunca os enunciar, por exemplo: incompetente; negligente; ausente; arrogante; traiçoeiro; rancoroso; cruel; invejoso; ciumento; injusto; vingativo; mau; mentiroso; louco e insensível. No entanto, não se inibe de lhe chamar com todas as letras “filho da puta” (p. 82).

Além da adjectivação, Saramago também coloca todos os nomes com letra pequena, incluindo o do Senhor que é despromovido a simples senhor. Do que me recordo de ler nos seus outros livros, tal despromoção nunca esteve presente, nem mesmo n’ O Envagelho Segundo Jesus Cristo.

Pontualmente, o boxeur Saramago, nos intervalos dos rounds em que se confronta com Deus, também demonstra o seu desprezo pelo Staff que compõe a equipa de Deus, agredindo e insultando-os, em particular, os Judeus (“falam demasiado” (p. 105); “à mínima derrota os judeus perdem a vontade de lutar” (p. 118)).

Em jeito de crítica negativa, considero que grande parte das notas do autor são despropositadas e, em alguns momentos, quebram a dinâmica da obra. Mais grave, em vez de complementares, o contraste entre a narrativa e as notas, parecem criar dois livros distintos num só, sendo que o que corresponde às notas do autor tem muito menos qualidade do que aquele que é desenvolvido pelo narrador.

Como positivo, destaco o facto de que Saramago mantém uma qualidade que me parece transversal na sua criação literária, isto é, a capacidade de provocar erecções... quer nas suas personagens como nos leitores. No que diz respeito aos leitores, reservo-as a cada um deles. No que se refere às dos personagens, recordo as sublimes erecções com que presenteia Abel e o próprio velho Abrão.

Por outro lado, ao contrário de outros, não considero que Caim se resuma a um manifesto contra Deus. Saramago vai bem mais longe, pois, a partir da caricatura de Deus, crítica e traça o que tem sido a história da humanidade e, ao mesmo tempo, faz um retrato do Homem actual. Caim não testemunha só as atrocidades de Deus, também assiste à barbaridade entre os seres humanos: violência, assassínios, corrupção, traições...

Assim, ao que José Saramago escreve (“A historia dos homens é a história dos seus desentendimentos com deus, nem ele nos entende a nós, nem nós o entendemos a ele” (p. 91)), acrescento: a historia dos homens também é a história dos desentendimentos entre si, continuamos sem nos entender.

sábado, 11 de setembro de 2010

Corredor do Poder... ou Academia dos Tretas



Nas quintas-feiras à noite podemos ver na RTP1 o Corredor do Poder. O título do programa é bastante feliz porque o que podemos assistir é ao debate político entre cinco corredores do e para o poder. No entanto, também o podemos entender de outra forma, ou seja, como uma espécie de amostra desse corredor. Durante o programa visionamos em directo a exibição acrobática de alguns jovens políticos conhecidos (a maioria com cerca de 40 anos), os quais funcionam como protótipos dos políticos que fazem parte do corredor do poder.

Se fosse pintor surrealista e um dia pintasse um quadro sobre o corredor do poder, desenharia na diagonal um comprido corredor de paredes negras, sem luz e ao longo desse corredor vários cabides com majestosos fatos pendurados. É a imagem que tenho desse corredor, uma sucessão de lugares, uns preenchidos, outros temporariamente vagos, à espera de corpos desabitados de personalidade e ideias próprias, formatados pelas medidas pré-definidas das ideologias frívolas dos partidos que representam. Neste sentido, os protagonistas do Corredor do Poder têm sido esses corpos que preenchem aqueles fatos vazios do nosso corredor do poder.

Ainda que o título seja feliz, proponho um nome alternativo mais adequado: Academia dos Tretas. Academia dos Tretas porque todas as quintas podemos assistir a uma espécie de conversa da treta sem humor e inconsequente, pautada por cinismo e palavras e gestos amestrados. Semanalmente, estes jovens políticos conhecidos ocupam o escuro do corredor e, envergando os fatos outrora vazios, fazem o seu treino para ascensão no interior dos seus partidos.

Os debates na Academia dos Tretas permitem perceber que as suas maiores preocupações não são a resolução dos problemas que afectam a sociedade nem a persecução do bem comum. Pelo contrário, o seu principal objectivo é elevar-se no seio dos seus partidos (carreirismo político), recorrendo a argumentos vazios, a exemplos cuidadosamente engendrados e à ofensa gratuita. Simultaneamente, decalcam os gestos e as palavras dos seus correligionários mais velhos e reproduzem até exaustam o sectarismo ideológico. Essa elevação intra-partidária é construída à custa do jogo sujo contra os seus concorrentes, à semelhança do corredor dos 100 ou dos 200 metros que tenta puxar ou derrubar os adversários das pistas do lado e, em alguns casos, até como o corredor de estafetas que propositadamente atrasa a passagem ou deixa cair o testemunho quando se aproxima do membro da sua própria equipa. Os fins continuam a justificar sempre os meios...

Uma coisa é certa, pelo que se vê na Academia dos Tretas, a política portuguesa não evoluirá positivamente nas próximas décadas. A nova geração de políticos, além de plagiar aqueles que são os maus exemplos dos políticos mais velhos, ainda tem contra si o facto de desconhecer a originalidade e o engajamento social de alguns dos seus antecessores.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Retórica dos alienados



Estão todos loucos, isto é, abstraídos dos processos socioeconómicos... ou então são imbecis de todo.

Foi o que pensei quando hoje vi o excelentíssimo ministro dos Negócios Estrangeiros Luís Amado interromper a sua preenchida agenda em Bruxelas para chegar à brilhante conclusão: a polémica em torno de Carlos Queiroz “afecta a imagem do país”.

O que se passa na cachimónia do nosso senhor ministro?

Seguramente acredita que temos uma taxa de desemprego abaixo da média europeia e níveis de educação superiores. Ao mesmo tempo, deve ter provas evidentes de que possuímos uma Justiça e Saúde espectacular... Pois, o que nos trama mesmo são estas controvérsias em torno do futebol.

O curioso é que estes ministros passam dias a esquivar-se aos jornalistas quando as estatísticas socioeconómicas são negativas e as comparações com outros países são pouco favoráveis. Nessas alturas, esforçam-se por desvalorizar os números, esquecem as pessoas que dão corpo a essas estatísticas e parecem estar literalmente nas tintas para a “imagem do país”.

É certo que o ministro Luís Amado ainda se resguardou de eventuais críticas acrescentando: “Tudo o que se passa de mau em Portugal afecta a imagem do país (...)”.

Contudo, na verdade não me recordo de o ouvir dissertar sobre nenhum dos outros problemas que afectam a imagem do país.


O que seria positivo para essa imagem era que a classe politica e os cidadãos em geral se inquietassem menos com os casos futebolísticos e que se preocupassem mais com os cancros socioeconómicos que aniquilam este esboço de país.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Azia



Jesus e seus apóstolos falharam nas terras protestantes de Liverpool. Venha o campeonato nacional então...

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Curiosidades eclesiásticas



Curioso! Será que a posição da igreja católica contra a interrupção voluntária da gravidez está relacionada com a propensão para a pedofilia de alguns dos seus funcionários?

Afinal, se houver menos crianças haverá menos vítimas...

quarta-feira, 24 de março de 2010

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Sugestão para sexta-feira: Cold Beer and Warm Women

"warm beer and cold women, I just don't fit in
every joint I stumbled into tonight
that's just how it's been
all these double knit strangers with
gin and vermouth and recycled stories
in the naugahyde booth

with the platinum blondes
and tobacco brunettes
I'll be drinkin' to forget you
lite another cigarette
and the band's playin' something
by Tammy Wynette
and the drinks are on me tonight"

(Tom Waits in Warm Beer and Cold Women)

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Plagiando um amigo

JÁ SE DEU!!!
(Depois de abandonar as canadianas...)


VAI-SE DAR!
(Depois de 5 meses de lesão...)

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Conspirações dos desejos na acareação do nós

Francisco Parlagreco, Boxeur – ost 84x64

06/02/2010

No intervalo da acareação do nós
nas solidões dos nossos corpos temporariamente isolados
receamos a esterilidade do confronto
duvidamos dos nossos músculos e vontades
Sentados, mendigamos a eternização do minuto
improvisamos o adiamento da inevitabilidade do reencontro

Os ritmos da nossa respiração desafinam
As orientações do nosso olhar desencontram-se
convergindo na direcção dos joelhos
Separados, partilhamos o instante e a mesma contradição
por baixo dos músculos os ossos convertem-se à conspiração do desejo
enquanto os pescoços parecem resignar-se aos medos

O tilintar da sineta irrompe nos ermos da equação do nós
Os sons nos nossos ouvidos estimulam a ausência de dúvidas
geram a convicção na fecundidade da combatividade
Erguemo-nos em direcção ao reencontro
caminhamos em rumos opostos para o mesmo destino
As respirações e os olhares convergem
formando um único corpo, regressamos à acareação do nós

Agora, trago debaixo das pálpebras as cicatrizes das tuas derrotas
em cada pestanear testemunho o epílogo dos teus combates
Na solidão da boca, em exílio de línguas e boquilhas
provo o sabor do cocktail de sangue e suor que te escorre das temperas
Os músculos cansados estremecem, as pernas paralisadas desistem do peso deste corpo
Os teus olhos tropeçam nos meus
Sinto os teus medos a roçar nos meus

Em redor do ringue, tumulo temporário do nós
eterno para os braços renunciantes
Uma multidão impotente masturba a nossa dor
alimenta-se dos nossos músculos em movimento
No final, regurgitará os excessos da resistência das nossas vontades
misturando vitória e derrota no mesmo aplauso e ovação

Depois do silêncio da multidão e das nossas evasões
remanesce um tumulo sem corpos nem medos
gravado para sempre com o nosso sangue e suor
Da tua derrota resta uma toalha branca esquecida no chão
Nas testemunhas sem memória nem uma imagem
dos encontros e desencontros que fazem a história desse nós

domingo, 31 de janeiro de 2010

Metamorfose no feminino

Dalí, Rapariga de Pé à janela, 1925
Óleo sobre tela, 108 x 77 cm


O peito contraindo-se na tentativa de tornar a carne em pedra
no inútil esforço de controlar o pulsar do coração
Os pulmões insistindo na cristalização da respiração
investem na inibição de fugas de suspiros
O rosto moreno tornando-se cada vez mais rosado
dissolve-se em gotículas de suor e lágrimas

Do interior do útero vem deslizando um rubi
O corpo resistindo fecha-se em si, impõe-se erguendo-se
A menina caminha em direcção a si
persegue-se, vacila na incerteza de se aclamar mulher

A janela é aberta
Para lá do seu curto horizonte revela-se a mulher
Deste lado fica a menina
Entre a menina e a mulher a mesma melancolia
Para além das duas a mesma solidão
O cabelo continua preto como sempre...

De pé à janela a sua mente vagueia
Debruçada em direcção ao longínquo
imagina a sensação de inaugurar o azul
de se molhar, de voar, de romper e sujar as roupas de menina

No chão um pé prende-a neste quarto que já não é seu
comprimindo-a num corpo de menina que desconhece
abreviando-a numa infância caducada
O outro pé impulsiona-a para o inevitável

A menina desapareceu na mulher que lá vai
em busca de azuis onde expirar a sua tristeza
ávida de outras janelas e ombros onde partilhar o seu silêncio
desejosa de se confidenciar noutros corpos

No quarto vazio restam as memórias dos azuis no feminino
Na janela fechada pelo vento fica a inscrição do Adeus

sábado, 23 de janeiro de 2010

ÚLTIMA HORA: Novo Director Desportivo do Sporting C. P.



Depois da demissão de Ricardo Sá Pinto, os dirigentes leoninos contrataram Michael Gerard Tyson, mais conhecido por Iron Mike, The Baddest Man on the Planet.

O novo director desportivo do Sporting irá iniciar funções na próxima segunda-feira.
Segundo José Eduardo Bettencourt, Myke Tyson tem o perfil adequado e um curriculum que fala por si:

Idade - 43 anos
Categoria - Peso-Pesado
Nacionalidade - Americana

Boxing Record
Lutas - 58
Vitórias - 50
Vitórias por KO - 44
Derrotas - 6
Empates - 0
Desistências - 2

A razão da força em vez da força da razão

http://desporto.sapo.pt/multimedia/fotos/cartoon/

A contratação de Ricardo Sá Pinto para a função de director desportivo do Sporting, além de ser um erro de casting, demonstrou a displicência dos dirigentes leoninos.

José Eduardo Bettencourt não teve em consideração a delicada situação em que se encontrava o seu clube e agravou-a ao resolver contratar uma pessoa com um perfil demasiado emotivo, em vez de alguém capaz de dirigir o futebol de forma mais racional.

Na altura da contratação de Sá Pinto, pareceu-me que o seu nome era demasiado consensual e que não foi calculado o risco de o colocar como director de uma estrutura algo periclitante.

Como é que Sá Pinto poderia exercer uma autoridade reconhecida pelos jogadores do Sporting, quando ele próprio enquanto jogador agrediu o seleccionador nacional (Artur Jorge) e envolveu-se em cenas de pancadaria com outros elementos da equipa técnica (Rui Águas)? Como é que alguém que é caracterizado pelo seu temperamento intempestivo poderia ter êxito na tarefa de negociar a resolução de conflitos e gerir relações interpessoais no seio de um grupo fragilizado?

Concordo que o Sá Pinto seja um simbolo do clube, lugar que conquistou pela forma como se entregava nos jogos e pelo seu temperamento e carisma. Ao mesmo tempo, consta que fez um mestrado em marketing e desporto, uma licenciatura em comunicação empresarial e um curso de direcção desportiva.

Contudo, a noticia que relata o confronto físico entre Sá Pinto e Liedson, após o último jogo do Sporting, demonstra que os conhecimentos e as técnicas que aprendeu na sala de aula não mudaram o seu temperamento e comprova a tese de que nunca esteve apto para desempenhar funções como director desportivo de um clube profissional.

O Sporting precisava de um relojoeiro competente para acertar um relógio muito frágil, alguém que conhecesse bem o seu mecanismo de funcionamento e que fosse hábil no uso minucioso das pinças. No entanto, contratou alguém que o tentou arranjar com o vigor do martelo. O resultado foi o estrago que se adivinhava.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Dever, tradição e justiça? E o mérito?



Pedro Miguel de Santana Lopes, o único ex-primeiro ministro que ainda não tinha sido honorificado com a Grã-Cruz da Ordem de Cristo foi, finalmente, condecorado pelo Presidente da República. A cerimónia foi curta e com poucos convidados, à semelhança do que foi o seu mandato como chefe do Governo.

O argumento de Aníbal Cavaco Silva foi “o dever e a tradição de condecorar aqueles que desempenharam as altas e completas funções” no Estado. Acrescentando: “Cumpro a regra que sempre foi seguida” e “cumpre-se aqui um acto de justiça”.

O principio subjacente neste argumento é o da igualdade, ou seja, uma obrigação moral de atribuir a este ex-primeiro ministro a insígnia que todos os seus antecessores tiveram direito. Direito?

Neste caso, o direito à condecoração parece ser sinonimo de dever, tradição e, surpreenda-se, decorre de uma regra que nunca se infringiu. Esta condecoração não serve para distinguir uma pessoa que se destacou no exercício da função. Pelo contrário, funciona como uma espécie de certificado de participação que se atribui a todos os que desempenharam esse cargo, independentemente dos resultados atingidos e do seu mérito.

Aníbal Cavaco Silva também refere que a atribuição desta condecoração representa um acto de justiça. Justiça?

Em primeiro lugar, Santana Lopes não chegou a chefe do Governo através de eleições, herdo-o. Mas não sejamos tão estritos nesta coisa da democracia.
Ainda que não tenha sido eleito, podia ter exercido as funções que herdou com mérito. Poder podia, porém, não foi o que se verificou. Nos cerca de seis meses que se manteve no cargo, foi protagonista das maiores trapalhadas da democracia portuguesa. O seu desempenho como chefe do Governo recorda as peripécias do mais conhecido personagem de Charlie Chaplin, Charlot. Esse desempenho terminou com a dissolução da assembleia da república e com Santana Lopes, obviamente, demitido. Onde está o mérito e o “alto relevo” das funções que exerceu?

Enfim, mais do que aquilo que se realizou no exercício de determinado cargo, o que parece ser importante para obter este tipo de condecorações é passar pelo cargo em si.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Haiti: Laboratório de labirintos de sofrimento

Injured people sit along a road the day after the earthquake struck Port-au-Prince, Haiti, (AP Photo/Jorge Cruz) in http://www.kyw1060.com/pages/6107326.php, acedido em 17/10/2010


Do interior da mãe terra eclodiu uma energia
uma força que lhe rasgou o útero forjado em rocha
O corpo tremeu-lhe ao compasso de um curto gemido

O gemido e a tremura cessaram
As formas da mãe terra retornaram ao que sempre foram
O corpo e o útero continuaram rochosos como antes

Seus olhos cerram-se num silêncio oportunamente inventado
como que harmonizando-se consigo mesma
À boca escapa-lhe um sorriso ausente de dentes
de quem absolve-se de um crime que voltou a engendrar

Esta absolvição inaugura um novo laboratório
onde converte-se a inocência em culpa e castigo
Aí são ministradas elevadas doses de sofrimento
Interrompendo as rotinas dos da vida flutuante
Condenando-os à reclusão em labirintos sem chave
separados uns dos outros, amputados de si
Aí é experimentada a resistência da humanidade
medida, pesada, calculada e reanalisada com muito rigor

No laboratório de labirintos de sofrimento
Os gemidos de dor somam-se em cada boca
múltiplicam-se pelas bocas, olhos, gestos e expressões
O que resta de vida não é suficiente para a subtrair
Essa dor sobrepõe-se a qualquer intuição de revolta

Na curva dos limites do sofrimento
Cansados, os corpos declaram-se vencidos
Convertem-se em labirintos individualizados
que se reflectem em sombras de vestígios de humanidade

Esgotados, os seus corpos continuam de carne como antes
Agora com menos carne, menos sangue, menos ossos
Amanhã contendo menos indícios de dor
Em cada dia passado, mais perto de ser sombras
mais longe de voltarem a ser carne
cada vez mais encerrados na impossibilidade de regeneração
Cada vez mais encurralados nesses seus labirintos

Por baixo do que resta da carne, no local de sempre
Os úteros também subsistem
Mas as vidas dos que neles nasceram tornaram-se memórias
os seus corpos apodrecem como sombras em sacos amnióticos de pedras e lama
E os úteros que os geraram tornaram-se caixas de ressonância de morte
meticulosamente afinadas por diapasões viciados

Os úteros continuarão a existir
porém, a administração exagerada de sofrimento
tornou-os incapazes de voltar a gerar vida
e aqueles que nunca a geraram fizeram-se inférteis

Neste laboratório,
A vida gera-se debaixo do chão
De lá irrompem mãos, braços, cabeças
vêm hinos de ajuda
Embaixo do chão ficarão se ninguém os ouvir
se ninguém lhes emprestar pelo menos uma mão

As vidas permanecem flutuantes
com mais intensidade do que durante o breve tremor da mãe
Um momento que se tornou eterno
Um momento pelo qual se condenam,
nos olhos uma lágrima

As memórias tornam-se lápides que imortalizam
Olhares prostrados em labirintos de sofrimento
Corpos dobrados pelo cansaço
Gestos de quem não esconde mais uma derrota
Bocas que pronunciam o vazio das palavras
Pernas que mais do que procurar uma saída
parecem querer andar para trás
regressar ao ponto de partida desse labirinto
sair deste laboratório

Se pudesse trocaria...
O teu pelo meu lugar
Os teus pelos meus medos
O teu presente pelo meu futuro

Se houvesse magistratura divina...
O teu sangue continuaria a correr-te nas veias
e seria o meu misturado no pó
Se… Se... e Se

Como os ses parecem não fazer sentido nesta realidade do impossível
Troco a tua dor por esta minha raiva
Troco o teu silêncio por este meu grito
Agora,
Empresta-me a tua dignidade apenas por um instante

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Triplicações do pretérito no presente

Dalí, The Persistence of Memory , 1931. Oil on canvas, 24 x 33 cm. The Museum of Modern Art, New York


São três as memórias
Nódoas de diferentes pretéritos num mesmo presente
Distorcidas pelos vincos das formas onde jazem derretidas

Que pequenas são estas memórias
Que se distinguem nas aparências
nas tonalidades das cores
nas melodias e aromas
Que se singularizam pelos lugares em que estão esculpidas

São pequenas, porém
eliminam todos os outros elementos do momento
O momento que não é o presente destas memórias
é apenas o cenário onde essas assumem o papel principal

São memórias contraditórias aparentemente reconciliadas
Pela contiguidade
Porque cada uma
faz esquecer o incesto entre o mar e a montanha
Porque todas
se encurvam em organismos
decapitados pelo peso das lembranças
secos pela fricção do suceder do tempo

Neste presente
Sob o céu que hesita na cor com que se pinta
Sobre a terra negra e obstinadamente húmida
Nesse intervalo
Brota a memória primordial
em cima do que resta de um animal de pêlo branco puro
como num pretérito original era a inocência do seu pintor

Memória seguinte
A cor menos inocente
confessa a insistência no erro
Revela-se numa oscilação entre a natureza e mecanismos artificiais
entre o vermelho e uma outra cor,
que não encontra tradução em palavras

Ao lado,
Numa árvore genealógica mutilada
sem raízes
e de um ramo só
como que pintada por um aprendiz na arte da poda
Estende-se outra memória
insistindo na aproximação às mais antigas
Dobrada pela indiferença das outras

Ilusão óptica
Jogo de espelhos
Estas memórias lutam pelo afastamento entre si
fogem à terra rastejando em direcção ao céu

Esta triplicação de memórias no presente
nesta tela
Esboça uma vã tentativa de redenção
A última hipótese do pintor narrar as memórias à sua maneira
para parir crença na sua história
para perpetuar uma outra versão dos pretéritos

Este é o momento do pintor
De reconciliação interior
A terapia contra a persistência da verdade

O que ele não sabe é que...
Não se exila as memórias
com quadros fechados em museus
nem se as prende com pontos finais
Não se reinventa as memórias
alterando-lhes as cores e as formas
nem usando sinónimos ou antónimos

As memorias perseguem-nos
Estão cravadas na carne
e quando não houver carne
Ficam a pairar por aí
Em jeito de emboscada
à espera que a alguém as escute e reproduza
à espera de recarnificação
À espera de ti!

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Uma espécie de recensão crítica


Memória de um Inconformista – Crónicas
Gonzalo Torrente Ballester
[Tradução e notas de António Gonçalves]
Âmbar, Porto, 2006,
467 pp.







Gonzalo Torrente Ballester (1910-1999) é considerado um dos principais intelectuais espanhóis do século XX, cuja obra conta com cerca de meia centena de livros repartidos pelo romance, teatro, ensaio e jornalismo. Qualificado e premiado como um dos melhores escritores espanhóis - o “senhor das palavras”, também foi jornalista e, tal como a certa altura se intitulou, sobretudo, “um excelente professor”.

O seu inconformismo e espírito crítico face aos acontecimentos do seu tempo, nomeadamente, em relação ao regime político, tornaram-no alvo da censura oficial do aparelho franquista em todos estes ofícios. Em 1962, por exemplo, esta postura custou-lhe não só a indiferença da crítica para com a publicação da última parte da sua trilogia Os Prazeres e as Sombras, mas também perdeu o seu lugar de professor na Escola de Guerra Naval e o seu espaço na imprensa e rádio. Somente dois anos depois conseguiu o reingresso no ensino e recuperar o seu espaço na imprensa escrita, altura em que inaugurou a sua presença no jornal Faro de Vigo numa coluna intitulada “A modo”.

Em 1997, César António Molina compilou em Memória de um Inconformista grande parte dos artigos aí publicados, entre Julho de 1964 e o início de 1967, e cuja tradução chegou em 2006 ao mercado português. Esta obra, para além de nos oferecer a oportunidade de (re)visitar o estilo e as ideias de Ballester, tem o mérito de nos fazer recuar até aos anos 60 e de permitir conhecer, recordar e reflectir sobre os temas, as polémicas e os protagonistas que em muito contribuíram para a realidade que vivemos actualmente.

Nestes artigos, sem uma dimensão nem periodicidade regular e pautados por um estilo errante entre a literatura e o comentário jornalístico, o seu autor debruça-se sobre as mais diversas temáticas: sociais; políticas; religiosas; culturais; e etc.. Atento à realidade e aos acontecimentos do seu tempo escreve, sempre sem pudor e sem medo do juízo apaixonado ou do erro pessoal, sobre todos os assuntos, quer os que estuda e conhece, como aqueles em que se sente mais inseguro.

A única regularidade transversal aos diversos artigos é o estilo e os valores que defende. Em cada artigo Ballester revela-se mais do que um homem à frente do seu tempo, ele demonstra ser alguém profundamente comprometido com todas as circunstâncias do época em que viveu. Talvez consciente disto, numa crónica alusiva ao seu primeiro ano como cronista do Faro de Vigo, interroga-se: “Não posso deixar de me assustar e de perguntar a mim próprio se em tanta prosa haverá algo de válido, ou de autêntico, ou de permanente (…)”.

Volvidos 40 anos, o leitor poderá responder seguramente que sim. Não obstante algumas conclusões que se revelaram falhadas e o facto das personagens e os contornos dos assuntos serem presentemente outros, a sua prosa, a atitude e os valores que defendeu mantêm uma surpreendente actualidade. Hoje, como antes, é necessário manter o inconformismo e o espírito crítico construtivista típico em Ballester perante a permanência dos mesmos problemas de sempre: guerras; subsistência de regimes não-democráticos; discriminação e segregação racial e sexual; a falta de renovação da Igreja e dos seus eclesiásticos; a desvalorização da cultura e do ensino; o alargamento da sociedade de consumo; os erros da politica externa dos EUA; o desrespeito pelas diferenças; e a urgência de convivência pacifica.

O seu inconformismo crítico face a estes e outros problemas resultou em numerosas cartas ao director do jornal e em várias contestações públicas. No entanto, sempre se revelou um espírito livre e obstinado, e várias vezes o sublinhou cintando o verso de Quevedo “Não me calo...”.

A publicação desta obra é a prova de que ainda não se calou.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Evasões (IV)



07/09/2007
University of Sussex, Brighton, England
No cimo de umas escadas, acompanhado de duas Carlsberg enquanto lamento a perda de uma budweiser


Ouvi um disparo
e não sinto a morte

Imóvel,
vejo pássaros a levantar voo
esquilos em busca de refúgio
pessoas perdidas a correr
Sinto o universo a tropeçar

E a morte?

Nada,
Nenhum rio a correr de dentro de mim
O corpo ainda de pé...

Talvez a morte seja isto
Sentir e ver tudo em movimento
e nós adiados

Enfim, a mesma coisa que a vida
mas sem pessoas a correr
fugas de esquilos
nem pássaros a voar...

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Abreviaturas do Agora

20/11/2008

Hoje tive um dia muito ocupado
a enfrentar as leis da natureza
a subverter as regras socais
a acelerar a minha mortalidade

Muitas vezes, recapitular o passado
a história dos momentos
os gestos dos feitos
as letras dos ditos
Basta para ridicularizar o anjo vermelho
Basta para rir na cara da morte

Outras vezes, como hoje
É preciso destruir o Presente
apertá-lo com as duas mãos
senti-lo contorcer-se debaixo da força dos dedos
incapaz de gritar
incapaz de lutar
Este Presente é demasiado incompetente para existir

No fim do dia, daqui a pouco
quando todos dormirem
Numa das cavidades de outro presente,
pensarei no desperdício que é abreviar o agora

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Continuidades do avesso

31/08/2009
Ainda em Moncada


Rumo a Este,
direcção dos mares do mediterrâneo...
Em cada música
a mesma sensação de avesso
a memória de mim sem ti
a ausência de sinais de mim em ti
As fugas continuas

Para lá da derradeira curva,
impõe-se um dos mares do mediterrâneo
Levanto-me, ando, mergulho
e permanece a sensação de avesso

No Este,
Celebração do retorno ao nós
Divãs virados ao contrário
Sinal de nós
um contra o outro
um pelo outro
Os dois a desfazer o que resta da sensação de avesso

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

No alto do avesso da lua

31/08/2009
Em Moncada, Valência


Olho através do vidro sujo
o céu com o azul e as nuvens de sempre
a mesma lua virada ao contrário

Encontro no vidro
o cheiro de barro nas mãos
o verde daquela serra

Abro a janela
No chão cai o meu suor
e outros fragmentos de mim
Torno a serra minha

Unido à serra
Misturo-me com o cheiro e a humidade da terra vermelha
Descubro-me no que não encontro no azul do céu

No alto do avesso da lua
arredado de mim
rendo-me à diferença deste país

domingo, 27 de dezembro de 2009

Em Nome do Pai, do Filho, do Espírito Santo... e da Desigualdade

Este ano o retorno do Natal trouxe-nos os habituais ornatos com as cores e as figuras de sempre e, mais uma vez, os holofotes e os altifalantes tenderam para os principais protagonistas da Igreja Católica.

Numa entrevista à Rádio Renascença, D. Manuel Martins salientou que a proposta que permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo serve para dividir os portugueses e que tem pena que certas propostas de lei se façam e que, sobretudo, se façam nesta altura do natal. Presumivelmente estimulado pela atenção que lhe prestaram, o Bispo de Setúbal também aproveitou a ocasião para atacar o Governo acusando-o de ofender e provocar o que designou de consciência cristã e afirmou que certas propostas de lei servem apenas para distrair os portugueses numa altura em que o Governo se encontra em sérias dificuldades para governar.

Não que o Governo não deva ser atacado, porque o merece. A questão que se coloca é se o móbil deste ataque deve ser o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Não haverá motivos mais importantes?

Actualmente vivemos uma crise económico-financeira que tem contribuído para o aumento do desemprego e da pobreza dos portugueses. O casamento entre pessoas do mesmo sexo divide mais os portugueses do que o ter e o não ter emprego ou do que ter e não ter rendimentos para suprir as necessidades mais básicas? Será que atingimos o cúmulo do ridículo em que o alargamento de direitos a uma minoria parece castigar mais a consciência cristã do que a carência social e económica de milhares de portugueses?

Deixemos então os problemas de uma maioria e debrucemo-nos sobre o facto de que parte de uma minoria poder concretizar uma vontade e poder legitimar um estado civil que já vive no quotidiano, passando a jogar em pé de igualdade com o resto da população, poder constituir ou ser entendido como uma provocação, principalmente, quando consagrada na altura do natal.

Não sendo especialista em espírito natalício, associo-o a um momento de proporcionar felicidade e de concretização de sonhos. É legítimo excluir determinadas pessoas deste espírito ou essas pessoas terão de ter outros sonhos ou ser felizes de outro modo?

O espírito natalício deve ser um estado de compreensão e de convivência pacífica, em suma, deve ser amar o outro apesar de todas as diferenças. No entanto, de acordo com as palavras de D. Manuel Martins parece que a consciência cristã convive melhor com a desigualdade do que com a igualdade entre seres humanos.

Outros dos holofotes e altifalantes dirigiram-se para o Bispo de Viseu que, por sua vez, usou uma terminologia mais belicista e apelou menos ao espírito natalício. De acordo com D. Ilídio Leandro, a aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo é um “atentado à família”: “Atribuir o instituto do casamento a outro tipo de uniões que não respeitem a natureza e os objectivos do casamento, nomeadamente a procriação, é um desrespeito à família”.

Este bispo refere a procriação como um dos principais predicados da família, por isso, o casamento entre pessoas do mesmo sexo é um atentado à família.

Aqui perco-me nas suas palavras... Não posso partilhar esta concepção de família nem vejo as pessoas do mesmo sexo que se amam e que pretendem casar como terroristas prontos a destruir a família. Na minha perspectiva, mais do que a procriação, o que sustenta a existência de uma família é o afecto, a vontade partilhada de convívio e outros laços recíprocos capazes de manter os membros moral e materialmente unidos.

O que destrói a família não é o reconhecimento e a legalização de famílias construídas sobre o amor de duas pessoas do mesmo sexo e que já existem na nossa realidade social, mas a insistência ou a falta de opções que castiga as pessoas que coabitam sem amor, infelizes e/ou como alvos de violência doméstica... É contra isso que a Igreja e os seus protagonistas devem lutar!

A consagração do casamento entre pessoas do mesmo sexo não pode ser entendido como algo que divide os portugueses. Pelo contrário, é a Igreja e aqueles que negam o casamento para uma franja da nossa sociedade que estão não só a separar, mas também a hierarquizar os portugueses.

Os desabafos destes dois bispos são fruto do desespero de quem vê escapar por entre os dedos a faculdade de outrora, ou seja, de nos governar de acordo com as suas verdades e convicções.

A esses bispos peço para que recordem que a Igreja não detém o monopólio da verdade. Quantas vezes a Igreja veio a público pedir desculpas pela sua história, pela dor que infligiu e pelas vidas que destruiu?

Não tantas como deveria, certamente! Por isso e para que não aumente o rol de razões para novos pedidos desculpa, desafio-os a continuar a professar a sua fé, mas que deixem de condicionar aqueles que não partilham essa fé ou aqueles que partilhando a mesma fé não se revêem em determinadas posições da Igreja. A Igreja tem de se adaptar à evolução social e inserir na sua matriz a tolerância e o respeito por aqueles que não se regem pelo que considera ser a norma.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Interlúdio entre ausências

25/11/2009
Dedicado ao livro O Amor nos Tempos de Cólera
de Gabriel Garcia Marquez
Pela torrente de sentimentos que me suscitou
e pelas memórias daquilo que não vivi


Desencontro
Dois corpos caídos em sentidos opostos
em eterna ausência
Palavras que ficam por dizer
Palavras que não se escutam

Desencontro
Quando os corpos se unem
e os segredos são revelados

Desencontro é não encontrar
e o encontro demasiado tarde

Desencontro é sonhar contigo todas as noites
e permanecer oculto no teu olhar
É o passado...

Desencontro
É o beijo que não aconteceu,
o que acontece tarde
e aquele que é imaginado

São as lágrimas salgadas na insónia
O desejo silencioso
As esquinas da vida,
As ruas inundadas de gente
O corredor escrupulosamente surdo

Tudo isto é desencontro
Tudo isto somos nós...

Desencontro é o que fomos,
o que somos e o que nunca seremos