Injured people sit along a road the day after the earthquake struck Port-au-Prince, Haiti, (AP Photo/Jorge Cruz) in http://www.kyw1060.com/pages/6107326.php, acedido em 17/10/2010
Do interior da mãe terra eclodiu uma energia
uma força que lhe rasgou o útero forjado em rocha
O corpo tremeu-lhe ao compasso de um curto gemido
O gemido e a tremura cessaram
As formas da mãe terra retornaram ao que sempre foram
O corpo e o útero continuaram rochosos como antes
Seus olhos cerram-se num silêncio oportunamente inventado
como que harmonizando-se consigo mesma
À boca escapa-lhe um sorriso ausente de dentes
de quem absolve-se de um crime que voltou a engendrar
Esta absolvição inaugura um novo laboratório
onde converte-se a inocência em culpa e castigo
Aí são ministradas elevadas doses de sofrimento
Interrompendo as rotinas dos da vida flutuante
Condenando-os à reclusão em labirintos sem chave
separados uns dos outros, amputados de si
Aí é experimentada a resistência da humanidade
medida, pesada, calculada e reanalisada com muito rigor
No laboratório de labirintos de sofrimento
Os gemidos de dor somam-se em cada boca
múltiplicam-se pelas bocas, olhos, gestos e expressões
O que resta de vida não é suficiente para a subtrair
Essa dor sobrepõe-se a qualquer intuição de revolta
Na curva dos limites do sofrimento
Cansados, os corpos declaram-se vencidos
Convertem-se em labirintos individualizados
que se reflectem em sombras de vestígios de humanidade
Esgotados, os seus corpos continuam de carne como antes
Agora com menos carne, menos sangue, menos ossos
Amanhã contendo menos indícios de dor
Em cada dia passado, mais perto de ser sombras
mais longe de voltarem a ser carne
cada vez mais encerrados na impossibilidade de regeneração
Cada vez mais encurralados nesses seus labirintos
Por baixo do que resta da carne, no local de sempre
Os úteros também subsistem
Mas as vidas dos que neles nasceram tornaram-se memórias
os seus corpos apodrecem como sombras em sacos amnióticos de pedras e lama
E os úteros que os geraram tornaram-se caixas de ressonância de morte
meticulosamente afinadas por diapasões viciados
Os úteros continuarão a existir
porém, a administração exagerada de sofrimento
tornou-os incapazes de voltar a gerar vida
e aqueles que nunca a geraram fizeram-se inférteis
Neste laboratório,
A vida gera-se debaixo do chão
De lá irrompem mãos, braços, cabeças
vêm hinos de ajuda
Embaixo do chão ficarão se ninguém os ouvir
se ninguém lhes emprestar pelo menos uma mão
As vidas permanecem flutuantes
com mais intensidade do que durante o breve tremor da mãe
Um momento que se tornou eterno
Um momento pelo qual se condenam,
nos olhos uma lágrima
As memórias tornam-se lápides que imortalizam
Olhares prostrados em labirintos de sofrimento
Corpos dobrados pelo cansaço
Gestos de quem não esconde mais uma derrota
Bocas que pronunciam o vazio das palavras
Pernas que mais do que procurar uma saída
parecem querer andar para trás
regressar ao ponto de partida desse labirinto
sair deste laboratório
Se pudesse trocaria...
O teu pelo meu lugar
Os teus pelos meus medos
O teu presente pelo meu futuro
Se houvesse magistratura divina...
O teu sangue continuaria a correr-te nas veias
e seria o meu misturado no pó
Se… Se... e Se
Como os ses parecem não fazer sentido nesta realidade do impossível
Troco a tua dor por esta minha raiva
Troco o teu silêncio por este meu grito
Agora,
Empresta-me a tua dignidade apenas por um instante
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