quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Continuidades do avesso

31/08/2009
Ainda em Moncada


Rumo a Este,
direcção dos mares do mediterrâneo...
Em cada música
a mesma sensação de avesso
a memória de mim sem ti
a ausência de sinais de mim em ti
As fugas continuas

Para lá da derradeira curva,
impõe-se um dos mares do mediterrâneo
Levanto-me, ando, mergulho
e permanece a sensação de avesso

No Este,
Celebração do retorno ao nós
Divãs virados ao contrário
Sinal de nós
um contra o outro
um pelo outro
Os dois a desfazer o que resta da sensação de avesso

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

No alto do avesso da lua

31/08/2009
Em Moncada, Valência


Olho através do vidro sujo
o céu com o azul e as nuvens de sempre
a mesma lua virada ao contrário

Encontro no vidro
o cheiro de barro nas mãos
o verde daquela serra

Abro a janela
No chão cai o meu suor
e outros fragmentos de mim
Torno a serra minha

Unido à serra
Misturo-me com o cheiro e a humidade da terra vermelha
Descubro-me no que não encontro no azul do céu

No alto do avesso da lua
arredado de mim
rendo-me à diferença deste país

domingo, 27 de dezembro de 2009

Em Nome do Pai, do Filho, do Espírito Santo... e da Desigualdade

Este ano o retorno do Natal trouxe-nos os habituais ornatos com as cores e as figuras de sempre e, mais uma vez, os holofotes e os altifalantes tenderam para os principais protagonistas da Igreja Católica.

Numa entrevista à Rádio Renascença, D. Manuel Martins salientou que a proposta que permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo serve para dividir os portugueses e que tem pena que certas propostas de lei se façam e que, sobretudo, se façam nesta altura do natal. Presumivelmente estimulado pela atenção que lhe prestaram, o Bispo de Setúbal também aproveitou a ocasião para atacar o Governo acusando-o de ofender e provocar o que designou de consciência cristã e afirmou que certas propostas de lei servem apenas para distrair os portugueses numa altura em que o Governo se encontra em sérias dificuldades para governar.

Não que o Governo não deva ser atacado, porque o merece. A questão que se coloca é se o móbil deste ataque deve ser o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Não haverá motivos mais importantes?

Actualmente vivemos uma crise económico-financeira que tem contribuído para o aumento do desemprego e da pobreza dos portugueses. O casamento entre pessoas do mesmo sexo divide mais os portugueses do que o ter e o não ter emprego ou do que ter e não ter rendimentos para suprir as necessidades mais básicas? Será que atingimos o cúmulo do ridículo em que o alargamento de direitos a uma minoria parece castigar mais a consciência cristã do que a carência social e económica de milhares de portugueses?

Deixemos então os problemas de uma maioria e debrucemo-nos sobre o facto de que parte de uma minoria poder concretizar uma vontade e poder legitimar um estado civil que já vive no quotidiano, passando a jogar em pé de igualdade com o resto da população, poder constituir ou ser entendido como uma provocação, principalmente, quando consagrada na altura do natal.

Não sendo especialista em espírito natalício, associo-o a um momento de proporcionar felicidade e de concretização de sonhos. É legítimo excluir determinadas pessoas deste espírito ou essas pessoas terão de ter outros sonhos ou ser felizes de outro modo?

O espírito natalício deve ser um estado de compreensão e de convivência pacífica, em suma, deve ser amar o outro apesar de todas as diferenças. No entanto, de acordo com as palavras de D. Manuel Martins parece que a consciência cristã convive melhor com a desigualdade do que com a igualdade entre seres humanos.

Outros dos holofotes e altifalantes dirigiram-se para o Bispo de Viseu que, por sua vez, usou uma terminologia mais belicista e apelou menos ao espírito natalício. De acordo com D. Ilídio Leandro, a aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo é um “atentado à família”: “Atribuir o instituto do casamento a outro tipo de uniões que não respeitem a natureza e os objectivos do casamento, nomeadamente a procriação, é um desrespeito à família”.

Este bispo refere a procriação como um dos principais predicados da família, por isso, o casamento entre pessoas do mesmo sexo é um atentado à família.

Aqui perco-me nas suas palavras... Não posso partilhar esta concepção de família nem vejo as pessoas do mesmo sexo que se amam e que pretendem casar como terroristas prontos a destruir a família. Na minha perspectiva, mais do que a procriação, o que sustenta a existência de uma família é o afecto, a vontade partilhada de convívio e outros laços recíprocos capazes de manter os membros moral e materialmente unidos.

O que destrói a família não é o reconhecimento e a legalização de famílias construídas sobre o amor de duas pessoas do mesmo sexo e que já existem na nossa realidade social, mas a insistência ou a falta de opções que castiga as pessoas que coabitam sem amor, infelizes e/ou como alvos de violência doméstica... É contra isso que a Igreja e os seus protagonistas devem lutar!

A consagração do casamento entre pessoas do mesmo sexo não pode ser entendido como algo que divide os portugueses. Pelo contrário, é a Igreja e aqueles que negam o casamento para uma franja da nossa sociedade que estão não só a separar, mas também a hierarquizar os portugueses.

Os desabafos destes dois bispos são fruto do desespero de quem vê escapar por entre os dedos a faculdade de outrora, ou seja, de nos governar de acordo com as suas verdades e convicções.

A esses bispos peço para que recordem que a Igreja não detém o monopólio da verdade. Quantas vezes a Igreja veio a público pedir desculpas pela sua história, pela dor que infligiu e pelas vidas que destruiu?

Não tantas como deveria, certamente! Por isso e para que não aumente o rol de razões para novos pedidos desculpa, desafio-os a continuar a professar a sua fé, mas que deixem de condicionar aqueles que não partilham essa fé ou aqueles que partilhando a mesma fé não se revêem em determinadas posições da Igreja. A Igreja tem de se adaptar à evolução social e inserir na sua matriz a tolerância e o respeito por aqueles que não se regem pelo que considera ser a norma.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Interlúdio entre ausências

25/11/2009
Dedicado ao livro O Amor nos Tempos de Cólera
de Gabriel Garcia Marquez
Pela torrente de sentimentos que me suscitou
e pelas memórias daquilo que não vivi


Desencontro
Dois corpos caídos em sentidos opostos
em eterna ausência
Palavras que ficam por dizer
Palavras que não se escutam

Desencontro
Quando os corpos se unem
e os segredos são revelados

Desencontro é não encontrar
e o encontro demasiado tarde

Desencontro é sonhar contigo todas as noites
e permanecer oculto no teu olhar
É o passado...

Desencontro
É o beijo que não aconteceu,
o que acontece tarde
e aquele que é imaginado

São as lágrimas salgadas na insónia
O desejo silencioso
As esquinas da vida,
As ruas inundadas de gente
O corredor escrupulosamente surdo

Tudo isto é desencontro
Tudo isto somos nós...

Desencontro é o que fomos,
o que somos e o que nunca seremos